O quintal

Quando mudamos para a casa onde moramos hoje, transformamos uma área de quase 30 metros quadrados de lajotas em um quintal. Foi a melhor coisa que fizemos na vida. Até os 30 anos eu só havia morado em apartamento. É verdade que durante a infância ia quase todos os dias à casa dos meus avós, que tem um quintal enorme. Mas isso não é a mesma coisa que morar numa casa com quintal. Quando casei, finalmente fui morar numa casa. Mas não tinha quintal, apenas um corredor e uma pequena área externa. E isso já era ótimo! Fizemos várias festas juninas deliciosas nesse pequeno espaço.

Mas foi só aos 50 que cheguei nesta casa e fizemos o quintal. No começo, apenas um pedaço de terra dura. Logo chegou a grama. E no meio dela uma outra espécie de grama, pra lá de especial. Uma grama que veio do gramado do antigo Palestra Italia. Foi um presente de natal que dei pra minha mãe muitos anos atrás e que acabou vindo para cá. É o Palmeiras dentro da minha casa! Também veio da minha mãe a pitangueira, que estava em um vaso e foi libertada aqui. Depois ganhamos uma muda de mirra (não, não é aquela dos reis magos, mas é super perfumada e as abelhas adoram). Do mesmo amigo querido ganhamos também uma caixa de abelhas jataí que, obviamente, moram no quintal. Plantamos manjericão, minirrosas, alecrim, boldo, lavanda, babosa, couve, batata-doce, abacaxi e um limoeiro. O limoeiro foi plantado desde a semente, virou uma mudinha, foi pro chão. Agora, depois de uns três anos, ele está dando os primeiros limões, que estão lá no pé, amadurecendo pra virarem caipirinha. E tem também as orquídeas, que encontraram um cantinho e um tronco que as fez felizes e o manacá, que floresce lindo mesmo no vaso. A erva-cidreira, pra fazer chá e lembrar das viagens pra Águas de Lindoia na infância.

Nem só de plantas vive um quintal. Além das nossas jataís, temos a visita de várias outras abelhas. As apis, que adoram as flores do manjericão, e as mandaguari, que se apossaram do bebedouro dos beija-flores, são as que eu consigo identificar. Recentemente um (ou uma?) sabiá-barranco fez ninho numa pilastra da edícula. A saíra-cinza finalmente resolveu dar as caras, agora que as pitangas estão maduras. Nunca veio para comer as bananas e o mamão que tantas vezes colocamos lá para atrair aves. A corruíra adora a mirra e eu adoro o canto dela. E tem também a cambacica, que tem uma técnica incrível para tomar água no bebedouro sem voar parada no ar como fazem o beija-flor, os helicópteros e o Dadá Maravilha.

À noite aparecem uns morceguinhos, o que me deixa bastante aflita. Sim, eu sei que eles são polinizadores, inofensivos e tal, mas… são morcegos! Eles ficando lá e eu aqui, vá lá. Outra visitante ocasional que mantendo uma civilizada distância, tudo bem, mas sem aproximações, por favor, é uma fêmea de gambá. E bem quietinhas na sua caixa ficam as minhocas da compostagem. Essa é outra coisa genial: aproveitar o resíduo dos alimentos para fazer compostagem e adubar o jardim. É, o limoeiro e a pitangueira só começaram a dar frutos depois que começamos a adubá-los com o fertilizante da compostagem.

Nosso quintal é um espaço de contemplação, de curtição — tomar sol e banho de chuveirão —, de trabalho. Afinal, tem grama pra cortar, planta pra podar, regar e adubar, bebedouro pra limpar e abastecer. E a gente vai observando e entendendo o tempo das coisas. A gente espera a florada da mirra no inverno, que é um espetáculo, espera a orquídea abrir, espera o manjericão crescer, espera o limão amadurecer, espera pra ver se a sabiá vai mesmo botar seus ovos no ninho. E cada acontecimento desses é uma alegria.

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