Mal sabe essa moça que por causa da pandemia fiquei quase dois anos sem ir a São Paulo. E claro que ela não tem como saber que mesmo mudando de cidade, jamais imaginei ficar tanto tempo sem ver minha cidade. E muito menos pode ela supor que no dia em que voltei, depois de todo esse tempo, eu passei justamente ali, na João Ramalho.
Vou lhe contar, moça, a João Ramalho é uma rua que faz parte da minha vida. E parte importante. Pra você ter uma ideia, a rua Bragança, no Pacaembu, onde 80 anos atrás meu avô construiu uma casa, é continuação sabe de que rua? Bingo! Da João Ramalho. E quando eu vou pra São Paulo hoje sabe onde eu fico? Isso! Nessa casa.
Quando eu era criança, moça, morei na Cardoso de Almeida. No quarteirão entre a Homem de Mello e a… Claro! A João Ramalho. Estudei e passei anos maravilhosos e inesquecíveis no Colégio Batista Brasileiro, que fica no quadrilátero entre as ruas Homem de Mello, Ministro Godoy, Monte Alegre e, você já sabe, João Ramalho. Depois, só subi um quarteirão e fui pra Puc.
Ficando ainda pelas lembranças da infância, eu tive vários passarinhos (eu digo que tive, mas é óbvio que quem cuidava era a minha mãe). Naquela época não tinha pet shop, mas tinha loja que vendia passarinhos, gaiolas, alimento e apetrechos para eles. Uma delas era de um senhor bem simpático. Nunca soubemos seu nome e nos referíamos a ele como o “homem dos passarinhos”. Era assim, minha mãe me chamava e dizia “vamos lá no homem dos passarinhos e a gente aproveita pra passar na costureira, que é do lado”. Sabe onde era essa loja e essa costureira, moça? Pois eram exatamente nas casas que vocês acabaram de demolir na João Ramalho pra fazer esse tal empreendimento que você queria que eu fosse conhecer.
E você acha que acabou? Não acabou não. Mais recentemente, desde 2001 até me mudar daí, trabalhei numa agência que fica obviamente você já sabe onde. Quando fui chamada pra trabalhar lá meu coração até bateu mais forte na hora em que eu soube que ela ficava na João Ramalho e não na Berrini, onde costumavam ficar as agências digitais naquela época.
Você deve achar que eu estou brincando, né? Mas é sério, juro. E eu amava trabalhar ali, me sentia tão em casa. Adorava almoçar no Varanda ou no Engenharia do Hambúrguer. No novo e no velho, um em cada lado da rua, hoje ambos demolidos. Ia na padaria na esquina com a Iperoig e fazia a unha ali mesmo na rua, no salão da Socorrinho, que tinha trabalhado no Batista. Tá vendo como eram as coisas ali, moça? Todo mundo se conhecia e eu gosto tanto desse clima provinciano, que acabei me mudando para o interior.
Mas a especulação imobiliária não dá trégua, né, moça? E começaram a demolir, demolir e demolir. Para construir prédios com varanda gourmet. Eu sei, moça, que pessoas como você precisam trabalhar e que tem gente louca por uma uma varanda gourmet, mas, por favor, não venha querer que eu me interesse pelo seu empreendimento.