Rio Tietê

Eu não cheguei a conhecer o Tietê como um rio limpo. Lembro-me dele desde sempre como um rio muito poluído, de águas paradas, feio, fedido. Mas mesmo assim, não sei bem por que, sempre gostei dele. Talvez seja pelo mesmo motivo dos versos do poeta português Fernando Pessoa sobre o rio que corre em sua aldeia: O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia, 
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia 
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia
Esse curso d’água quase parada, suja, passou, então, a ser o padrão de rio para mim. Ainda criança fiquei muito surpresa quando em viagem para o interior do estado conheci um Tietê limpo, de águas claras. O Tietê é um rio que, apesar de ter sua nascente distante apenas 22 quilômetros em linha reta do Oceano Atlântico, corre em direção a oeste, pelo interior do estado de São Paulo, atravessando 62 cidades por 1.100 quilômetros, até desaguar no rio Paraná. Um estudo de setembro de 2019 elaborado pela Fundação SOS Mata Atlântica mostra que um trecho de 163 quilômetros do rio Tietê é considerado morto, impróprio para o uso. Esse trecho é 33,6% maior que o registrado no ano anterior. Toda essa poluição é fruto da falta de saneamento, com o despejo de esgoto residencial e industrial nas águas do rio. Desde que sou criança também ouço políticos falarem em planos para despoluição do rio Tietê. Mas até hoje muito pouco foi feito, apesar de cada novo governo anunciar a destinação de milhões de dólares em verba para isso. O rio poluído é ao mesmo tempo causa e sintoma da crise climática. 

Há três anos me mudei de São Paulo. Vim morar em uma pequena cidade no interior. Seu nome? Tietê. Sim, ela fica às margens do rio. Então, continuo perto dele. Aqui ele ainda é poluído, mas já tem um aspecto melhor de que quando passa pela região metropolitana de São Paulo. No início de 2020 as fortes chuvas que caíram sobre a cidade fizeram com que suas águas subissem oito metros e provocassem alagamentos, atingindo áreas urbanas e rurais com comércio e residências de população mais vulnerável. O índice pluviométrico do início de fevereiro medido na cidade bateu recordes e a última vez que a vazão do rio alcançou esse mesmo nível foi em 1983. 

Mas se eu viajar alguns quilômetros em direção à foz do rio Tietê começo a vê-lo limpo. A vida ressurge, com peixes e outros animais, e é possível até nadar em suas águas. O rio é uma lição climática. Entre outras coisas ele mostra as consequências do impacto das atividades humanas e como é possível haver regeneração quando a pressão humana diminui.

Este texto foi escrito originalmente como a história climática pessoal que apresentei no 44º Climate Reality Global Training e sofreu pequenas alterações aqui.
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