Apegos

Sou uma pessoa apegada. Me apego a pessoas, a lugares, a objetos, ideias. E a acentos ortográficos. Desapegar desse aí da ideia foi um parto. Como foi uma tristeza enorme ter que me despedir do trema. Tem coisa mais linda que um pingüim ou mais gostosa que uma lingüiça? Mas, preciso confessar que, passados todos esses anos, até que acabei me acostumando a essa ausência. A vida seguiu e hoje olho pra uma ambiguidade e nem vejo nada errado com ela. Estranha a vida, mas é assim. As ausências, as separações vêm, de um jeito ou de outro a gente segue e se acostuma.

Ia dizer que a gente se acostuma com tudo mesmo, mas acabei de escrever aquele “vêm” ali em cima e se tem uma coisa que eu não me acostumo é com os plurais de “vem” e “tem” sem acento. Tá vendo? Eu não aprendo. Eu acho que me acostumei, que mudei, mas, se a perda se repete, sofro tudo de novo.

Não é fácil encarar, esses acentos do plural estão sendo mortos impiedosa e silenciosamente. Diferente do trema, que teve sua morte alardeada pelo novo acordo ortográfico. As pessoas simplesmente estão deixando de usá-los, como se houvesse um acordo tácito do qual apenas eu não faço parte. Parece que ninguém mais se importa, que não faz diferença. (Talvez pra quem fale “os caminhão” e “é nóis” não faça diferença mesmo). Mas eu sofro com isso, sofro com cada ausência, com cada ignorada que dão a um “eles não têm mesmo jeito”.

É bem provável que daqui a alguns anos ninguém mais nem saiba da existência desse acento. Mesmo que não haja outra reforma, que ele acabe naturalmente caindo em desuso e a forma sem acento passe a ser aceita. É a língua viva. E eu vou ter que me acostumar, como me acostumei a comer linguiças e a viver com tantas ausências.

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