Durante o isolamento da pandemia, entrei em contato com sentimentos que há muitos anos estavam aprisionados. Libertá-los trouxe à tona, entre outras coisas, o impulso criativo. Esse impulso em mim se manifesta de várias maneiras, mas principalmente pela escrita, que não se dá apenas durante o ato de escrever. Quando falo, escrevo. Quando ouço, escrevo. Quando bebo, quando ando, quando lavo louça, escrevo. Quando leio, não é só a história que me interessa. Gosto das palavras, de observar e entender como elas são usadas para contar a história. Precisei viver tudo o que vivi para escrever o que escrevo hoje.
Meu pensamento é feito de palavras. As imagens que visualizo começam em palavras. Escrever não é uma opção. Escrever acontece, é o natural. Quando escrevo, me entrego, em dois sentidos que a palavra oferece. Me entrego à escrita e entrego, a quem lê, o que sinto. Nem sempre é fácil. Mas sempre é necessário. Há a escrita que ninguém lê. A que apenas um lê. E a que todos leem. Há o escrever leve e o escrever doído. Há o que não digo, mas escrevo.
Já não importa tanto se o texto é bom, se vão gostar. Alguns eu gosto, sim, acho bons. Outros, nem tanto. Sou crítica e talvez por isso tenha ficado tanto tempo escondida. Mas há que se entregar (num terceiro sentido) ao leitor. Para valer a pena a escrita tem que ser praticada e lida. É como o tai chi chuan, não adianta só saber a teoria, tem que praticar e praticar e praticar. Errar, observar, tentar de novo.
Se no texto profissional tenho que seguir regras, fórmulas, medir (literalmente) as palavras, no texto autoral me permito ser passional (e até cometer uma rima não intencional). O que não significa que não haja nisso trabalho árduo, meticuloso, cuidadoso com as palavras.
Gosto de escrever e deixar o texto decantar. Voltar a ele e lapidar, cortar, reescrever. Por algum tempo a relação com o texto em composição é extremamente intensa, vigorosa. É preciso ir até alguns limites para depois soltá-lo e deixá-lo ir como um barquinho de papel na enxurrada.
Escrever é um ato de amor, é devoção, revelação, libertação, compreensão. É entrega. Se o sertão é dentro da gente, escrever é a minha vereda.