Imortal

No início dos anos 80 houve em São Paulo algumas edições da Bienal Nestlé de Literatura. A primeira delas me pegou no colegial, descobrindo e me apaixonando pela literatura. Ir a esse evento seria uma experiência e tanto. E acabou sendo melhor que o esperado. Foi lá que tive a oportunidade de estar frente a frente, trocar algumas palavras e pegar o autógrafo de três monstros da literatura, dois deles especialmente importantes pra mim. Em um pôster que guardo até hoje tenho os autógrafos de Jorge Amado e de meu queridíssimo Mário Quintana. E num livro, o de Lygia Fagundes Telles.

Lembro que eu tremia quando fui falar com a Lygia. Estava ali na minha frente aquela escritora tão brilhante, tão admirada, autora dos contos mais incríveis que já tinha lido e que me marcaram para sempre. Lygia é uma mulher elegante, tinha uma mecha branca nos cabelos que era um charme só e um olhar penetrante.

Jorge Amado passou todo todo, rodeado por assessores, jornalistas, admiradores e eu fui persistente o bastante para conseguir o seu autógrafo.

Mas o encontro mais peculiar, como não poderia deixar de ser, foi com o Mário Quintana. Um amigo que havia ido comigo à Bienal foi ao banheiro e voltou dizendo: “Lu, você não vai acreditar quem estava fazendo xixi ao meu lado: Mário Quintana”. Na hora perguntei a ele onde era esse banheiro e corri para lá. Uma moça já estava ali, parada na porta. Na hora saquei que deveria ser a sobrinha do Quintana, que na época era uma espécie de assistente e acompanhante do poeta e eu já havia lido sobre ela. Indaguei se ela era a sobrinha do Quintana, o que ela confirmou, e se eu podia esperar por ele ali também. Quando ele saiu, me apresentei, beijei-o nas faces e fomos os três conversando sossegadamente até uma área onde uma equipe de reportagem de TV o aguardava. Ele foi extremamente simpático e atencioso. Foi uma alegria imensa passar aqueles minutos ao lado do poeta. O autógrafo no pôster se tornou uma prova física para a posteridade daquele encontro fugaz. Ele já com seus quase 80 anos e eu uma adolescente.

Fiquei acompanhando a gravação da entrevista. Um dos principais temas da pauta, além do evento em si, era a candidatura de Quintana à Academia Brasileira de Letras. Se não me engano, ele se candidatou mais de uma vez, mas nunca foi eleito. A uma pergunta sobre sua vontade de ser eleito, ele respondeu: “já que não dá pra gente ser imorrível, quero ver se ao menos me torno imortal”. Ele não precisou do fardão para isso, sua poesia o imortalizou.

Lembrei desse encontro com a notícia de que Gilberto Gil agora é oficialmente imortal. Fiquei feliz com isso. É outro da minha academia de letras particular que está na Academia, junto com a Lygia. Eu não sou de fazer listas, aquela coisa de os 10 melhores livros que já li, mas tenho as minhas paixões. E assim como Lygia e Quintana, Gil é uma delas. Agora, adoraria ver Caetano tomando chá com Gil na Academia.

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