Semana passada li uma chamada no jornal sobre o fim do depósito bancário por DOC que dizia “já fez seu último doc?”. Foi o ponto de partida para eu começar a pensar em quantas coisas fazemos pela última vez sem saber que aquela é a última. Pra quem será que foi e qual era o valor do último cheque que passei? Jamais saberei.
Quando trabalhei na TV Gazeta, na era paleozoica, minha chefe, Regina de Souza, sempre dizia que não se deveria escrever “último” ao se referir à obra mais recente de um artista. Última obra é só de artista morto, ensinava ela. Mas não precisamos morrer para viver algumas coisas pela última vez. Pode ser que eu nunca mais tenha dinheiro para ir para a Europa (toc, toc, toc, bate na madeira, sai pra lá maldição!), então, a última vez que fui terá sido mesmo a última.
Tenho vivos na memória os últimos encontros com meu pai, com meus avós, mas outros últimos encontros com pessoas muito queridas eu não me lembro, não sei dizer quando e como foram. Quantos encontros não são o último sem que saibamos? Muitas últimas vezes acabam passando sem marca alguma.
Não me lembro qual foi a última vez que fui no meu bar preferido, que hoje não existe mais. Que roupa será que eu vestia, o que será que comi (o que bebi eu sei, cerveja), com quem será que eu estava? Também não me lembro da última vez que comprei um maço de cigarros, um LP, um CD, um DVD, as revistas que eu gostava de ler e que hoje também não existem mais. Tudo isso aconteceu sem que eu tivesse consciência de que estava vivendo uma última vez. E muitas outras coisas foram também assim, últimas vezes sem despedidas, sem data marcada, sem reconhecimento.
Talvez faça sentido pensar que toda vez de alguma coisa na verdade é sempre a última. Não foi isso que disse Heráclito quando falou que a gente não se banha duas vezes no mesmo rio?